Em 2001 houve uma grande crise no mercado da internet. Muita gente faliu, muita gente perdeu muito dinheiro. Porém, muito longe de morrer com a crise, a internet acabou se tornando mais importante do que nunca, com novas idéias muito interessantes aparecendo o tempo todo. Foi a partir desta constatação que Tim O’Reilly e outras pessoas das maiores empresas do ramo de internet começaram a reparar (em uma conferência chamada web 2.0) que as empresas que deram certo na internet têm algo em comum. Esse “algo em comum” é uma série de conceitos que formam o que nós chamamos de Web 2.0.
Web 2.0 é, basicamente, uma internet viva. O que faz esta nova internet ser viva é muito simples: internet é feita de gente.
Na internet antiga, algumas pessoas pensavam em traduzir o que se fazia em jornal, revista e TV para a internet. Não deu certo. Então apareceram sites que utilizavam a interatividade com as pessoas para se desenvolver. Sites cujo conteúdo é feito e organizado exclusivamente pelos próprios visitantes do site, não por uma equipe editorial.
No Brasil há alguns exemplos-chave. O Orkut é um deles. É feito exclusivamente pelos usuários que participam do site e se relacionam através dele. Outro exemplo é o Mercado Livre . Ele não é uma loja virtual, não tem um estoque, não tem uma equipe de entrega. Ele é totalmente feito pelos usuários que visitam o site e vendem através dele.
Existem centenas de outros exemplos espalhados pelo mundo. Rádios nas quais o usuário organiza as músicas como quer, sites de fotos onde o usuário insere e organiza suas fotos, sites para guardar e compartilhar com amigos seus links favoritos, sites de notícia em que o usuário é que faz a notícia, enciclopédias nas quais o usuário escreve ou corríge um artigo, enfim, os exemplos não têm fim. A cada dia aparecem novas idéias.
Mas web 2.0 não é só isso. Da análise das empresas que deram certo na internet nasceram diversos conceitos, que se aplicam em várias áreas. Abaixo há uma relação destes conceitos-chave, divididos pelas áreas que eles afetam.
Web 2.0 e a Programação.
Começaram a desenvolver softwares que são usados pela internet e vendidos não em pacotes mas como serviços, pagos mensalmente como uma conta de água. Além disso, mudou-se a forma de fazer softwares. Para que tudo funcionasse bem na internet, foi necessário criar novas tecnologias (como Ajax, por exemplo) que tornassem a experiência do usuário mais rica, com interfaces rápidas e muito fáceis de usar.
Softwares que ficam melhores quando mais são usados.
Se internet é feita de gente, as pessoas podem ajudar a tornar o sofware melhor. Por exemplo, quando um usuário avalia uma notícia, ele ajuda o software a saber qual notícia é a melhor. Quando um usuário organiza uma informação através de tags, ele ajuda o software a entregar informações cada vez mais organizadas. Na web 2.0 os softwares ficam melhores na medida que são mais usados.
Experiência rica do usuário com Ajax.
Usar um software através da internet seria horrívelmente lento se não fossem as novas interfaces que utilizam Ajax. Com essa tecnologia o usuário não precisa esperar que a página se recarregue ou que o processo seja terminado para continuar usando o software. Cada informação é processada separadamente, de forma assincrona, e não é mais necessário recarregar a página a cada clique.
Programação simples e modular.
Em vez de fazer um grande e complexo software, na web 2.0 são feitos softwares simples e modulares. Assim é fácil tirar ou acrescentar uma funcionalidade ou compartilhar uma parte do seu software com outro software. Os módulos podem ser reutilizados em diversos softwares ou compartilhados para serem usados por programas de terceiros.
Web como plataforma.
Na web 2.0 os softwares funcionam pela internet, não somente instalados no computador local. A web 2.0 é uma só. Vários programas podem se integrar formando uma grande plataforma. Por exemplo, os seus contatos do programa de e-mail podem ser usados no programa de agenda, ou pode-se criar um novo evento numa agenda através do programa de e-mail. Tudo isso pela internet.
Serviços, não software em pacotes.
Na web 2.0 aprendeu-se a desenvolver programas que funcionam como serviços em vez de vendê-los em pacotes. Estes serviços podem ser cobrados com uma mensalidade, como a sua conta de água.
Beta perpétuo: softwares sendo melhorados o tempo todo, com a ajuda dos usuários como beta-testers.
Na web 2.0 acaram os ciclos de lançamento de programas. Os programas são corrigidos, alterados e melhorados o tempo todo, e o usuário participa deste processo dando sugestões, reportando erros e aproveitando das melhorias constantes.
API: Programas abertos e hackeáveis.
Na web 2.0 os programas são abertos, ou seja, uma parte do programa pode ser utilizado por qualquer pessoa para se fazer outro programa. São utilizadas API para deixar que outros sites utilizem partes dos seus dados nos serviços deles.
Escalabilidade com bom custo-benefício.
Na Web 2.0, quanto mais usuários um site tem, melhor. O site não fica mais lento nem o sistema mais pesado pelo alto número de usuários, pelo contrário, quando mais usuários melhor, do ponto de vista de sistema e de custo-benefício.
Softwares descentralizados. P2P.
Em vez de grandes servidores provendo uma enorme quantidade de arquivos, na web 2.0 descobriu-se as redes P2P (peer to peer), na qual cada usuário é um servidor de arquivos e os arquivos são trocados diretamente entre eles. Exemplos: kazaa, e-mule, bittorrent.
Software acima do nível de um único dispositivo.
Outra grande lição de desenvolvimento da web 2.0 é fazer programas que funcionem em diversos dispositivos, como celulares, palms, etc. Um ótimo exemplo disso é o Itunes e o Ipod. Em vez de simplesmente vender músicas pela internet, a Apple inventou um dispositivo para ouvir essas músicas em qualquer lugar de forma fácil e agradável.
Web 2.0 e o Conteúdo.
O conteúdo dos sites também sofreu um enorme impacto com a web 2.0. Agora o usuário tem um papel fundamental no conteúdo. Ele não somente lê, ele participa. Em alguns casos são os usuários que fazem e organizam todo o conteúdo do site.
Um bom exemplo disso é a Wikipedia , uma enciclopédia onde qualquer usuário pode escrever um artigo e publicar e qualquer usuário pode alterar qualquer artigo. O mais impressionante é que hoje essa enciclopédia concorre com a Enciclopédia Britânica, a melhor enciclopédia do mundo, em regime de colaboração.
Além disso, na web 2.0 o usuário faz com que o sistema e o conteúdo fiquem mais ricos. Mesmo quando o conteúdo não é gerado pelos usuários. Isso acontece através de comentários, avaliação de uma notícia, personalização do site, entre outras coisas.
O usuário pode receber o conteúdo do site de diversas formas, personalizando como quiser. Pode fazer uma “assinatura” do site, como se faz com uma revista ou jornal, através do RSS.
Colaboração
Na web 2.0 o usuário é que faz o conteúdo do site. Um bom exemplo é Flickr, site de compartilhamento de fotos em que o usuário disponibiliza e organiza suas fotos online.
Personalização: o usuário vê o conteúdo que quer, do jeito que quer.
Um novo conceito de home page foi criado na web 2.0: a home page pessoal. Em sites como Google.com/ig, netvibes.com e live.com é possível criar a sua própria home page com o conteúdo que você quiser, através de RSS. Essas home pages são totalmente personalizaveis. A idéia é dar ao usuário toda a possibilidade de personalização do conteúdo para que este seja realmente relevante para aquela pessoa.
Remix: o usuário pode mudar o conteúdo e republicá-lo.
Sites como a Wikipedia dão a possibilidade do usuário copiar a informação e reutilizá-la como quiser. Para isso foram criadas outras formas de direitos autorais, como a Common Creatives, que flexibiliza os direitos autorais permitindo que o usuário reutilize o conteúdo do site.
Avaliaçâo: o usuário decide o que é melhor.
Sites como a Amazon, Submarino e Mercado Livre utilizam a colaboração do usuário para definir o que é melhor no seu conteúdo. Na web 2.0 este conceito pode ser radicalizado como em sites de notícia em que só aparecem as noticias bem avaliadas pelos usuários (exemplo digg.com). A maior qualidade deste conceito é elevar o grau de relevância do conteúdo deixando o trabalho para o usuário.
Confiança total no usuário.
O conceito é o mesmo do software livre: se há muitas pessoas olhando, todos os erros são corrigidos facilmente. Comunidades que se auto-moderam, através da participação dos usuários indicando ao sistema qual usuário não deve mais participar da comunidade é outro exemplo. A web 2.0 dá entender que o usuário é confiável, sempre.
Tagueamento, não taxonomia: o usuário organiza o próprio conteúdo.
Os criadores do del.icio.us, um site para guardar e compartilhar links favoritos, criaram um novo conceito em arquitetura da informação, chama-se tagueamento (do inglês: tagging). Em vez de criar pastas e categorias pré-definidos para o usuário escolher, cada usuário pode dar uma palavra-chave para um determinado conteúdo, assim, quanto mais usuários taguearem o conteúdo, melhor organizado ele será.
O usuário interage com o sistema ou conteúdo tornando-os melhores.
Através de avaliação do conteúdo, comentários nas notícias, e outras formas de participação, o usuário pode interagir com o sistema e alterar o conteúdo do site, tornando-os cada vez melhores.
Comunidade, não audiência.
Na web 2.0 não existe audiência, na qual os usuários recebem a informação e a lêem. Em vez disso, são formadas comunidades, seja através de sites de relacionamento como o orkut, seja através de comentários em notícias e blogues. Internet é feita de gente, e gente gosta de se relacionar.
Web 2.0 e as novas formas de monetização.
Surgem novas formas de ganhar dinheiro com a internet. Uma delas se chama LongTail. Uma loja virtual pode ter um catalogo muito grande, cheio de itens que vendem pouco e não valem à pena para lojas comuns que têm um custo de manutenção alto para manter o produto na prateleira. Mas justamente por serem difíceis de se encontrar em lojas comuns que estes itens são os mais preciosos para quem gosta deles.
Por isso, o modelo de vendas na web 2.0 deve ter um sistema para fazer as pessoas descobrirem estes itens únicos do catálogo - por exemplo: “pessoas que compram este CD também compram…”. A venda de muitos itens que individualmente vendem pouco traz muito mais retorno financeiro que as vendas de produtos que individualmente vendem muito.
Outra forma de monetização da nova internet são os softwares como serviços. São programas que funcionam através da internet e são pagos mensalmente. Além destas duas, há outras como a venda do conteúdo de um site que foi gerado pelos usuários, a venda de informações usadas para fazer um programa (ex. as fotos aéreas que são usadas no Google Maps) e venda de espaço para publicidade onde se paga somente quando o usuário clica no anúncio.
Marketing e publicidade na Web 2.0.
O marketing e a publicidade online também mudaram muito com a web 2.0. Agora a empresa já não pode comunicar, ela deve aprender a interagir. A publicidade deixou de ser uma via de mão única, onde a empresa emite uma mensagem que o consumidor recebe. Como a internet é feita de gente, a publicidade se tornou o relacionamento entre pessoas da empresa e pessoas que são consumidores.
Isso inclui o um novo conceito chamado marketing de performance. Neste novo conceito, você contrata o serviço de marketing e só paga pelos resultados que recebe. Nada de estar na internet só para não ficar fora dela, agora toda ação online deve ser interessante do ponto de vista do retorno sobre o investimento.
Além disso, as antigas formas de publicidade online deram lugar a campanhas onde você só paga pelos cliques que seu banner recebe, marketing através de links patrocinados em sites de busca, otimização de sites para sites de busca e marketing viral.
Design na web 2.0.
A criação e produção de sites para a web 2.0 também mudou. Agora a experiência do usuário tem que ser rica, ou seja, o site não pode ser lento, tem que ser absurdamente fácil de usar e encontrar informações.
Novas tecnologias como o Ajax (sigla em inglês para JavaScript e XML Assincronos) permitem uma interface rica, rápida e fácil, onde não é mais necessário recarregar toda a página quando o usuário precisa de uma nova informação mas é carregada somente a informação desejada. Na web 2.0 os layouts convencionais deram lugar a uma nova abordagem, onde pensa-se primeiro no conteúdo, depois numa interface que entregue este conteúdo da melhor forma para o usuário.
Experiência Rica do Usuário.
Um site na web 2.0 não pode ser lento, nem difícil de se usar. Por causa disso foram criadas novas tecnologias (como o Ajax por exemplo), e novas formas de interatividade do usuário com os sites. Sites com Ajax promovem uma experiência muito mais rica para o usuário. Este parece ser um caminho sem volta… A tendência é que todos os sites da internet se transformem em sites com ajax ou alguma tecnologia parecida.
Design de interfaces de sofwares na internet com Ajax.
Os softwares que funcionam pela internet também mereceram uma atenção especial por parte dos designers. Quando um usuário clica em um botão, o software não pode demorar para responder. Os designers da web 2.0 têm que aprender a utilizar esta nova tecnologia e fazer layouts de forma mais livre e funcional com habilidades como arrastar e soltar, alterar o conteúdo com um clique, etc.
Usabilidade e arquitetura da informação.
Aprendeu-se que projetos de internet que não gastam tempo pensando na facilidade que o usuário deve ter para usar o site e encontrar as informações perdem muito mais dinheiro depois, porque site não dá o resultado esperado. Usabilidade e arquitetura da informação, incluindo a arquitetura da participação (no caso de sites que o usuário é que faz o conteúdo) são matérias indispensáveis na web 2.0.
Design de um software para cada tipo de conteúdo em vez de layouts convencionais.
Com as novas técnicas e tecnologias trazidas na web 2.0 os layouts podem ser diferentes do que é convencional para sites em html. Agora é permitido ao usuário arrastar e soltar uma caixa de informação para outro lugar do site, interagir com a informação em tempo real, ver informações quando o mouse passar por cima de um link, entre outras formas novas de design para sites na internet. A idéia central é pensar no conteúdo primeiro, depois pensar em um software que melhor mostre este conteúdo com interatividade com o usuário, então pensar em um design que viabilize tudo isso.
Conclusão.
Enfim, Web 2.0 é internet inteligente, que busca resultados concretos em vez de desperdiçar dinheiro. É entender que a internet é um meio que tem a sua própria linguagem e seus próprios modelos, diferentes dos modelos convencionais onde não há interatividade e relacionamento entre as pessoas. Web 2.0 é internet feita de gente.